„Poema – Vozes e Goétia ‘’ Se todos os meus pensamentosFossem revelados ao mundoPedófilos, estupradores, e ditadoresSeriam considerados santos Diante da minha misériaAh em mim tanta podridãoQue as lágrimas que escorremDos meus olhos causam náusea aos Deuses’’- Não ouviram falar do homem louco?Que arrancou os seus tímpanos com as unhasE com eles nas mãos em plena manhãLançou-se em meio à multidão gritando – Não estão escutando estes sussurros?- As janelas batendo ao vento?- Andem matem uns aos outros e enforquem-se até queA sua alma pare de gritar!E lá,Em meio à praça publicaEnquanto gritava como um lunáticoEncontrou homens e mulheresProntos para julga-loHaviam aqueles que zombavam das suas roupasPorque eram velhas e surradas Outros gargalhavam sobre a cor da sua peleE também haviam aqueles que zombavam do seu cabeloE como se não bastassem!Jogavam no homem loucoFrutas podres, pedras e pedaços de pauEnquanto zombavam tambémDa sua sexualidadeO homem louco perdido em meio a multidãoChorava e gritava para que aqueles que o cercavamPudessem ajuda-lo a cessar as vozes na sua cabeça.- E o que aconteceu com o homem louco?Deves estar se perguntando!Naquela mesma noite Refugiou-se em meio as colinasTrancafiou-se no mais terrível abismoE nunca mais foi vistoMas dizem as lendasRogadas por Padres, Poetas e FilósofosQue o homem loucoArrancou os seus próprios olhos com uma colherPara que nunca mais pudesse se olhar no espelhoEntão ele ateou fogo em seu cabeloPara que nunca mais pudessem zombar deleDilacerou até mesmo suas genitáliasE rasgou sua pele com as unhas Para que nenhuma alma Possa julga-lo novamenteDizem que até hoje Ele se arrasta com os seus tímpanos nas mãosAtrás de almas perdidas como a sua Implorando para que cessem as vozes na sua menteMas as vozes nunca cessaramElas sempre estiveram láComo uma assombraçãoPerseguindo-o por todos os cantosTal como as vozesNa sua cabeça…- Gerson De Rodrigues“
„(…) não existe, talvez, nada mais assustador e mais sinistro em toda a pré-história do homem que a sua técnica para se lembrar das coisas.” Alguma coisa é impressa, para que permaneça na memória: apenas o que dói incessantemente é recordado” – este é uma proposição central da mais antiga (e, infelizmente, também a mais duradoura) filosofia na Terra. Uma pessoa pode até sentir-se tentada a dizer que algo deste horror – através da qual em tempos se fizeram promessas por toda a Terra e foram dadas garantias e empenhamentos -, algo disto ainda sobrevive sempre que a solenidade, seriedade, secretismo e cores sombrias se encontram na vida dos homens e das nações: o passado, o passado mais longo, mais profundo e mais desagradável, respira sobre nós e brota em nós sempre que nos tornamos “sérios”. As coisas nunca avançaram sem sangue, tortura e vítimas, quando o homem achou necessário forjar uma memória de si próprio. Os sacrifícios e as oferendas mais horrendos (…), as mutilações mais repulsivas (…), os rituais mais cruéis de todos os cultos religiosos ( e todas as religiões são, nas suas fundações mais profundas, sistemas de crueldade) – todas estas coisas tem origem naquele instinto que adivinhou que a mais poderosa ajuda da memória era a dor.Num certo sentido, todo o ascetismo faz parte disto: algumas ideias tem de tornar-se inextinguíveis, omnipresentes, inesquecíveis, “fixas” – com o objectivo de hipnotizar todo o sistema nervoso e intelecto através destas “ideias fixas” – e os procedimentos e formas de vida ascéticos são o meio de libertar essas ideias da competição com todas as outras ideias, para torna-las “inesquecíveis”. Quanto maior era a memoria da humanidade, mais assustadores parecem ser os seus costumes; a dureza dos códigos de punição, em particular, dá uma medida da quantidade de esforço que é necessária para triunfar sobre o esquecimento e tornar estes escravos efémeros da emoção e do desejo atentos a alguns requisitos primitivos de coabitação social. (…) Para dominar (…) recorreram a meios assustadores (…) de apedrejamento, (…), a empalação na estaca, a dilaceração ou o espezinhamento por cavalos, (…), queimar o criminoso em azeite (…), a prática popular de esfolamento, (…) cobrir o criminoso de mel e deixá-lo às moscas num sol abrasador. Com a ajuda deste tipo de imagens e procedimentos, a pessoa acaba por memorizar cinco ou seis “Não farei”, fazendo assim a promessa em troca das vantagens oferecidas pela sociedade. E de facto! com a ajuda deste tipo de memória, a pessoa acaba por “ver a razão”! Ah, razão, seriedade, domínio das emoções, todo o caso sombrio que dá pelo nome de pensamento, todos esses privilégios e exemplos do homem: que preço elevado que foi pago por eles! Quanto sangue e horror está no fundo de todas as “coisas boas”!“