„Jean-Marc ergueu-se para ir buscar a garrafa de conhaque e dois copos. E, depois, de uma golada: – No fim da minha visita ao hospital, ele começou a contar recordações. Recordou-me aquilo que eu teria dito quando tinha dezasseis anos. Nesse momento compreendi o único sentido da amizade tal como hoje é praticada. A amizade é indispensável ao homem para o bom funcionamento da sua memória. Lembrar-se do passado, trazê-lo sempre consigo, é talvez a condição necessária para conservar, como se costuma dizer, a integridade do eu. Pare o eu não encolha, para que mantenha o seu volume, é preciso regar as recordações como as flores de uma vaso, e essa rega exige um contacto regular com testemunhas do passado, isto é, com amigos. Eles são o nosso espelho, a nossa memória; não se exige anda deles, apenas que de vez em quando puxem o lustro a esse espelho para que nos possamos mirar nele. Mas estou –me nas tintas para o que fazia no liceu! O que sempre desejei desde a primeira juventude, talvez desde a infância, foi algo completamente diferente: a amizade como um valor acima de todos os outros. Gostava de dizer: entre a verdade e o amigo, escolho sempre o amigo. Dizia-o por provocação, mas pensava-o a sério. Hoje sei que essa máxima era arcaica. Podia ser válida para Aquiles, o amigo de Pátroclo, para os mosqueteiros de Alexandre Dumas, até ao Sancho, que apesar dos desacordos era um verdadeiro amigo do seu amo. Mas já não o é para nós. Vou tão no meu pessimismo que hoje posso preferir a verdade à amizade.“
„Poema – EmmaEu nunca vou me esquecer daquela noiteVocê havia ido emboraNo dia que eu também decidi partirHoje nos culpamos pela morte delaTalvez aquela criança tivesse o seu sorrisoOu os meus olhosTentei te ligar algumas vezesE eu sei que você também tentou me ligarDeveríamos segurar as nossas mãosComo fizemos naquela noite no hospitalMas nos culpamos todas as manhãsPela morte da nossa única filhaTalvez,Este único acontecimento catastróficoTenha sido o real motivo pelo qualVocê tenha ido emboraAinda visito os mesmos lugaresOntem fui mais uma vez naquela praçaEncontrei uma garotinha sorrindoNo mesmo momento eu lembrei da nossa pequena;Confesso que chorei por algumas horasNo mesmo banco que transamos algumas vezesChorei até finalmente a chuva virE fundir-se com as minhas lágrimasEu sei que você se culpaPelo excesso de remédiosMas talvez se eu estivesse ao seu ladoEla estaria hoje falando ‘’ Mamãe’’ pela primeira vezA culpa foi toda minhaEu sou maldito demais!Ferrado demais!Para que a vida me presenteasse com uma filhaVocê não deveria ter se envolvido com alguémQue vendeu a sua alma para o DiaboEm troca de alguns livrosA maldição está nos meu sangueEu nunca serei capaz de gerar uma vidaSem antes gerar a morte em seu lugarEu não sei aonde você está agoraNunca mais tive notícias suasEu continuo aquiTentando de alguma forma compensar a dorDe ter perdido vocês duasMe culpando todas as noitesPor não ter conseguido realizar o seu maior sonhoDizem que quando você entrega a sua Alma para o DiaboDeus abençoa a pessoa que você mais ama com uma vidaHoje eu decidi me enforcarTalvez seja uma formaDe trazer equilíbrio sabe?Se algum dia você ler este poema e eu não estiver mais aquiNão desista de ser mãe com outro alguémPois eu já terei partidoE direi a nossa filhaQue você sempre a amou…- Gerson De Rodrigues“