„Vou até a prateleira. Se escolho, leio meio página de qualquer coisa. Não preciso falar. Mas escuto. Estou maravilhosamente alerta. Certamente não se pode ler sem esforço esse poema. Muitas vezes a página está decomposta e manchada de lama, rasgada e grudada por folhas fanadas, fragmentos de verbena ou gerânio. Para ler esse poema é preciso ter miríades de olhos, como um daqueles faróis que giram sobre as águas agitadas do Atlântico à meia-noite, quando talvez somente uma réstia de algas marinhas fende a superfície, ou subitamente as ondas se escancaram e delas emerge algum monstro. É preciso pôr de lado antipatias e ciúmes, e não interromper. É preciso ter paciência e infinito cuidado e deixar também que se desdobre o tênue som, seja o das delicadas patas de uma aranha sobre uma folha, seja o da risadinha das águas em alguma insignificante torneira. Nada deve ser rejeitado por medo ou horror. O poeta que escreveu essa página (que leio em meio a pessoas falando) desviou-se. Não há vírgula nem ponto-e-vírgula. Os versos não seguem a extensão adequada. Muita coisa é puro contra-senso. É preciso ser cético, mas lançar ao vento a prudência, e, quando a porta se abrir, aceitar resolutamente. Também, por vezes, chorar; também cortar implacavelmente com um talho de lâmina a fuligem, a casca e duras excreções de toda a sorte. E assim (enquanto falam) baixar nossa rede mais e mais fundo, e mergulhá-la docemente e trazer à superfície o que ele disse e o que ela disse, e fazer poesia.“
„Poema – Eclesiastes 12:7Quando eu morrerlancem as minhas cinzas nos rincões do universopara que os átomos que habitaram o meu corpovoltem para as estrelasA verdadeira liberdadeé morrer e transformar-se em nada!Não quero o perdão dos deusestampouco os pecados do infernoQuero transformar a mim mesmono mártir do nadae na representação de tudo que existeA realização de que vou virar póparadoxalmente me tranquilizaEu desejo deixar este mundosem verdades ou convicçõesquero ser enterrado como um homem sem nomepara que os vermes que corroerem meus despojos podresse engasguem com a minha misériaO que eu fui em vidade nada importa aos tolos que me enterraremNão deixarei lembrançaslágrimas ou paixõesJoguem os meus bens materiais aos porcose queimem os meus livros em suas igrejasO suicídio para mim não é o suficiente!Se as suas dores podem ser curadascom uma corda em seu pescoçoou laminas em seus punhossorria como um toloe dancem com os deusespois a sorte está ao seu ladoA origem do meu sofrimentoestá intrínseca na essência da minha almae para me livrar deste tormentodevo sofrê-lo intensamenteaté que os últimos vermes se alimentem das minhas entranhasNo momento do meu nascimentoamaldiçoei a minha própria mãee os deuses esconderam-se em cavernasComo se a misériapossuísse o semblante do diabogargalhadas foram ouvidas no infernoA morte para mimnão é apenas um alivioou um destino inevitávelÉ uma forma de pedir ao mundoperdão por ter nascidoQuando eu morrernão derramem as suas lágrimasfestejem junto aos sátiroscom orgias e palavrõestransformem o meu túmuloem um lugar profano sobre a terrapara que nunca mais pronunciem o meu nome“